Havia chegado uma mensagem no celular pela manhã.
“Sonhei com você, tudo parecia um filme, eu coloquei um líquido numa chaleira e quando ele estava prestes a explodir você apareceu. Eu gritei para que se abaixasse mas não deu tempo e tudo explodiu no seu rosto. E como cinema, apareceu o pós, seu rosto com cicatrizes e agora até mais com personalidade. No fim, você compartilhava o que passou e toda sua história, e ganhou fama e dinheiro com isso”
Então creio que certas cicatrizes acabam vindo para o bem maior – respondeu.
Será que seria possível nunca ganhar uma cicatriz da vida? improvável. Se não fossem visíveis então seriam aquelas em que carregamos e ninguém vê, só conseguem sentir quando nos abrimos.
Lembrou quando tocou a cicatriz que ficava perto do lábio de um menino.
– Seu rosto fica mais bonito com ela aí.
– Por que acha isso?
– O imperfeito é perfeito.
E ele sorriu.
Posso ver as cicatrizes que tem pelo corpo? – perguntou.
– Todas?
– Todas. Quero beijar todas elas.
– Tenho uma na testa.
– Como a conseguiu?
– Ganhei um chinelo da minha tia e saí pra rua com ele, cai num morro e me esfolei inteira.
– Ela é bonitinha.
– Tenho uma perto do peito.
– E essa? como?
– Catapora. Eu fiquei tão feia que andava pela casa com uma máscara do mister M para que ninguém pudesse me ver.
– Me mostra ela.
– Tira minha blusa.
– Com todo o prazer.
– Te ver mais de perto é um presente e um privilégio. Sei que muita gente queria estar aqui.
– Era para ser assim. Não é todo mundo que quer ou que consegue me ver dessa forma com tanto cuidado.
– Eu nunca vou te esquecer. E nem das suas cicatrizes – disse com um sorriso
– Eu também não. Seu beijo regou cada uma delas.
Era de madrugada, estava deitada na cama com um namorado.
– Por que gosta tanto de me olhar? – o menino perguntou curioso.
– Porque quando olho dentro dos seus olhos consigo te ver de verdade.
– E o que você vê?
– Que seus olhos conversam com os meus.
E então ficaram em silêncio. Se olhando por longos minutos. Era como se fizessem amor de uma outra forma além do físico.
Há muito mais do que os olhos podem ver.